Processos de escrita que vem e que vão.
Hoje retomei a leitura do livro O Caminho do Artista, de Julia Cameron, onde ela estimula o leitor em 12 módulos a desenvolver uma rotina de escrita e outros exercícios com a finalidade de despertar o potencial criativo e romper com bloqueios de criação. Desde que comecei a ler o livro e escrever diariamente, por uma serie de outros motivos fiquei sem escrever. Uma lacuna de uns três meses que estou encerrando hoje. Decidi que ia escrever hoje mesmo sem desculpas. E agora estou aqui, começando do zero, sem roteiro, sem premeditar nada.
Tenho objetivo de escrever aqui sobre fotografia, sobre as vivências que proponho, sobre os estudos que faço numa tentativa de aproximar a psicanálise da minha prática enquanto fotógrafo, sobre como as artes e a filosofia me atravessam diariamente, com intuito de que você ao me ler, consiga agregar algo de bom para sua vida também. Não saia daqui de mãos abanando, por favor!
Mas vamos de fato ao texto de hoje que começou dentro de mim na noite de ontem… Tomei meu banho, meu chá de camomila e fui deitar para dormir por volta das 22:00. Logo adormeci e cerca de uma hora e meia depois, acordei repentinamente com meu lábio e dentes inferiores totalmente amortecidos. Parecia que eu havia sido anestesiado somente nessa área. Foi uma sensação horrível e eu logo pensei em acender as luzes e procurar por algum inseto, tipo aranha, escorpião, o que seja. Mas percebi que não estava doendo, logo descartei a possibilidade de uma picada acidental. Parece que eu me sai bem emocionalmente falando né? Assim que eu descartei a chance de insetos, caí num lugar muito pior! O lugar onde a mente dos neuróticos como eu encontra alimentos/elementos em abundância para fantasiar sem medidas. Foi então que tive a certeza que eu estava tendo um derrame. Meus pensamentos agora estavam focados em me maltratar fazendo me acreditar que de fato eu iria sofrer um AVC dentro dos próximos minutos. Me levantei, desci as escadas, fui ate a cozinha beber agua e nesse trajeto já me autoavaliando: bom, se eu consegui descer as escadas e meu equilíbrio não foi prejudicado, então talvez não seja um derrame. Bebi a agua e conversei alguma coisa em voz alta comigo mesmo. Check, se minha voz e minha comunicação não sofreram alteração, talvez eu realmente não esteja tendo um derrame. Voltei pra cama e depois de mandar uma mensagem de whatsapp contando sobre a possibilidade da minha morte eminente para a minha namorada, eu adormeci e dormi a noite toda sem nenhuma “neura”.
Como estou escrevendo esse texto, logo eu não morri na noite passada! Mas a reflexão que tudo isso despertou em mim é algo que já venho olhando para isso em terapia desde o inicio desse ano, mas que agora eu consegui elaborar melhor. Desde a minha infância até agora, eu sempre fui rodeado de amigos. Acredito que tive um período que vai desde a adolescência até meus 30 anos em que com toda a certeza, eu não tenha passado um único dia sozinho. Só que a medida em que vamos envelhecendo, as vidas vão tomando outras dimensões, filhos, trabalhos, etc… Hoje ainda tenho uma rede amigos com quem sei que posso contar, mas cada um tem suas rotinas e ninguém foge da famosa “correria”, “na luta”, “na batalha”… e tem algo de muito sanador que a riqueza dos encontros proporciona que fica pelo caminho quando se trata de meios digitais de comunicação. Existe uma serie de limitações que as telinhas interpõe frente a possibilidade de um encontro cara a cara. Ontem mesmo, eu ajudava uma vizinha a realizar uma tarefa doméstica e nisso batemos papo assim sem mais, ou seja, conversando banalidades enquanto executávamos a tarefa a qual nos propomos. Enfim, desse simples fato, me dei conta do quanto a presença física provoca coisas em nós. Eu cheguei de um jeito e saí de outro desse momento com a vizinha. Eu sou analógico para as relações!… Fato é que desde 2023 eu passei a ter experiencia de morar sozinho, realmente sozinho, se bem que na verdade eu divido moradia com outros dois seres; um cachorro e um gato. E justamente por essa relação de tutor desses dois amores é que eu tenho me angustiado tanto em pensamentos. Qualquer desconforto que eu sinto, logo já penso que terei um infarto ou um derrame, que vou falecer a qualquer momento e ninguém vai descobrir a tempo (pois eu moro sozinho) e assim meus pets irão falecer também por falta de cuidados e aí a culpa por essas duas mortes me faz sofrer demais. É assim que funciona a mente de um neurótico obsessivo.
Ao longo da vida, consigo perceber em mim essa dificuldade que sinto quando outras pessoas (ou seres) dependam de mim. Odeio que criem expectativas ou que eu tenha que corresponder as essas expectativas que qualquer relação com pessoas gera. Mas pra tudo isso eu tenho as sessões de análise como apoio. Quando me leio escrevendo e descrevendo tudo isso acho até engraçado, mas quando esses pensamentos me atormentam com afinco é uma angustia real.
Então para que isso não fique um textão também, já vou concluindo por aqui e destacando a importância de se estar em terapia, de poder elaborar melhor aquilo que nos causa sofrimento psíquico. Imagino que muitos que me leem agora se identificaram em algum nível com esse breve relato de como a nossa mente funciona e pode nos levar tanto às alturas quanto nos lançar em abismos. Outra coisa muito importante é sobre o poder transformador da escrita. Tudo isso que escrevi agora surgiu de um processo de escrita que tive hoje de manhã, de caderno e de caneta, só depois veio pro digital. O poder transformador da escrita precisa me atravessar – tem horas que ele pede mesmo passagem – e ao ser atravessado me deixo escorrer junto com a tinta da caneta no papel.
O processo de autoescrita e a fotografia compartilham uma essência profunda: ambos são formas de expressão íntima, capazes de revelar camadas ocultas da subjetividade. Quando uma pessoa se entrega à autoescrita, ela se confronta com sua própria narrativa, mergulhando em lembranças, sentimentos e reflexões que, muitas vezes, permanecem latentes no cotidiano. De modo semelhante, a fotografia, especialmente a fotografia terapêutica, se torna um espelho visual que capta fragmentos da alma, registrando momentos que podem refletir aspectos inconscientes ou sutis de quem está diante da lente.
vc é um artista meu amigo, e vcs possuem o poder (no yoga falam em siddhis) de afectar e ser mais afectado pelos mundos que os rodeiam (simbólico e fenomenológico). Essa sensação de vazio me parece parte do seu próprio processo analítico. Qto mais nos aprofundamos em nossas travessias pessoais, mais e mais nos afastamos do que não nos interessa e, muitas vezes, deixam de fazer sentido. Continue escrevendo com as luzes de seu olhar fotográfico tão lindo e com as letras que se avolumam em signos refletindo sua alma e nos fazendo tocar e nos perceber mais de nós mesmos através dos seus olhos hermano. Grato por ler a tua força pulsando daí e reverberando aqui. abs.
Muito obrigada por compartilhar seus sentimentos. Estou há meses querendo começar esse livro sobre escrita, e depois de ler o seu texto, senti o empurrão que eu precisava! Só continue! Beijão!
Maravilhoso colega, não sai de mãos vazias ,ao contrário me identifiquei muito,tenho escrito poesia e levo para a terapia tem sido muito bom 🥰
Algo interessante acontece.
Está diante de si mesmo.
Sensacional!
✍🏻✍🏻✍🏻✨✨✨👍👍👍
✍🏻✨✨✨
Adorei e me identifiquei com os pensamentos após as 22h. Já acordei várias vezes com angústia, mas ao amanhecer sabia que tudo ficaria bem.
Continue compartilhando 👏🏻
Meu amigo querido,
Suas palavras me atravessaram de uma forma ímpar…. se você é analógico eu devo ser movido a manivela pois minha neura é tanta que minhas plantas são artificiais e meus cachorros de pelúcia pelo exato mesmo motivo seu.
Abraços
Marcão!
Confesso que sou preguiçoso a leituras…
Mas sinceramente teu texto me cativou.
E sim, confesso também que outros dia também estava com algumas neuroses/crises existências…
Acho que é mesmo um “fim dos tempos”…
Mas acho também que é início de outros!
O que percebo é que nosso velho eu, deve aos poucos ir dando lugar para o nosso novo eu, e a Psicanálise vem auxiliando nesse processo!
Irmão, respiiiira + não pira!
Tmj 🙌🙌🙌🙏